“Eu sou o anticristo, eu sou um anarquista.” Com essas palavras cuspidas em 1976, John Lydon, ou melhor, Johnny Rotten, não apenas apresentou os Sex Pistols ao mundo — ele detonou uma bomba cultural que ainda ecoa quase meio século depois. A voz da rebeldia Nascido em 1956, em Londres, filho de imigrantes irlandeses, Lydon cresceu entre pobreza, doenças e uma constante sensação de deslocamento. A tuberculose que quase o matou na infância deixou sequelas físicas, mas também moldou sua postura diante da vida: desconfiado, agressivo, irônico. Quando foi chamado para integrar uma banda de moleques desajustados comandados pelo empresário Malcolm McLaren, ninguém imaginava que aquela voz rouca, quase debochada, se tornaria o estandarte de uma geração. No palco, Rotten não cantava — ele gritava, berrava, cuspia. Sua presença era ao mesmo tempo desconfortável e hipnótica. Era impossível ignorá-lo. Os Sex Pistols e a faísca do punk Com apenas um álbum, Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols (1977), os Sex Pistols derrubaram o mito de que o rock precisava de virtuosismo. Johnny Rotten transformou letras simples em declarações de guerra contra a monarquia, o establishment e até mesmo o próprio público. O single God Save the Queen foi banido de rádios britânicas, mas ainda assim chegou ao topo das paradas. Rotten não era um frontman tradicional — ele era um provocador. Mais que um cantor, ele representava o descontentamento de uma juventude sufocada pela crise econômica, pelo desemprego e pela falta de perspectivas. O pós-Pistols: arte além do escândalo Após a implosão dos Sex Pistols em 1978, muitos acharam que Johnny Rotten seria apenas uma nota de rodapé no rock. Mas ele renasceu como John Lydon, fundando o Public Image Ltd. (PiL), onde expandiu seus limites musicais. Se os Pistols eram pura agressão, o PiL explorava dub, pós-punk, industrial e experimentações sonoras que influenciariam gerações inteiras de bandas alternativas. Entre polêmicas e vulnerabilidade Johnny Rotten nunca deixou de ser controverso. Brigou com ex-colegas de banda, discutiu com jornalistas, criticou políticos de todos os espectros. Mas também mostrou um lado humano: dedicou-se por anos a cuidar de sua esposa, Nora Forster, diagnosticada com Alzheimer. Essa faceta revelou um homem que, por trás da casca punk, carregava lealdade e sensibilidade. O legado Johnny Rotten é mais que um ícone punk — ele é o símbolo da contradição. Um artista que nunca buscou ser herói, mas acabou sendo porta-voz de quem não tinha voz. Ele incomodou, irritou, inspirou. Sua figura prova que o rock não precisa ser bonito, técnico ou educado para ser transformador. No fim, talvez Johnny Rotten tenha cumprido sua missão da forma mais punk possível: sendo odiado e amado na mesma intensidade, mas nunca, jamais, ignorado.